domingo, 17 de junho de 2007

Ecologia, mercado, e os novos terroristas sociais


Yes, life is going to be a beach in the future... Global Warming never looked so hot” (slogan da campanha “Global Warming Ready” da marca de roupas “Diesel”)

Os desafios ecológicos, entre eles o aquecimento global, atestado pelos mais recentes relatórios do IPCC, finalmente atingiram a esfera política, e obrigaram líderes das mais diferentes tonalidades ideológicas a se manifestarem sobre o problema. O mercado e a publicidade também aderiram à onda “ambiental” para vender as respectivas mercadorias. À primeira vista, é um típico case de sucesso. As mesmas campanhas que tingiram de verde as empresas de “responsabilidade social”, que lutam por um “desenvolvimento sustentável”, unificaram universos tão díspares como a Vale do Rio Doce, a Aracruz Celulose, e até a “Coca-Cola Company”.
No entanto, nenhuma campanha chama tanto a atenção como a recente estratégia de marketing "Global Warming Ready" (pronto(a) para o aquecimento global), lançada pela famosa marca de roupas Diesel. Inteiramente em inglês, as imagens utilizadas nos anúncios falam por conta própria.
Numa delas, um rapaz de camisa aberta lambuza com filtro solar a garota em vias de trepar num coqueiro. No fundo, à esquerda, o mar bate no topo do que seria o monte Rushmore, nos EUA. A face esculpida em pedra, com água pelo nariz, mostra Abraham Lincoln. Não aparecem na imagem as outras três do monumento em Dakota do Sul: George Washington, Thomas Jefferson e Theodore Roosevelt. O quarteto de presidentes só se mostra por inteiro noutro quadro, em que um modelo sarado lê um livro com geleiras na capa, deitado na areia da mesma praia. A mesma alusão à elevação do nível dos mares como resultado do aquecimento global surge em outra tela, que apresenta arranha-céus de Nova York com água na cintura. Nesse álbum eclético ainda há espaço para araras no lugar dos pombos da praça São Marcos em Veneza, vegetação equatorial ao lado da torre Eiffel e gente de biquíni na Antártida ao lado de pingüins.
A investida da campanha também espalhou vídeos no site You Tube. Em um deles, a Diesel revela um olhar “cool” (“bacana” ou "fresco”) sobre o problema. ““Hold on…! Global Warming… Cannot Stop Our Lives”, diz a locução. Em seguida, seqüências apresentam algumas das imagens expostas acima. Tudo ao som de uma música eletrônica de cunho motivacional.
É característica endógena da publicidade não ter compromisso com a realidade e com a verossimilhança. É preciso ressaltar, diga-se de passagem, que não faz o menor sentido exigir que se instaure este tipo de ligação imediata. O conjunto de signos publicitários opera em outro plano. O que impressiona, no entanto, são os artíficies banalizantes escolhidos ao retratar uma questão de sobrevivência, situação esta causada por uma séria de empresas que operaram por décadas numa lógica incompatível para o próprio modo de produção capitalista. É o mesmo modelo que a Diesel representa.
Há, porém, uma diferença crucial. Agora, o clássico chauvinismo americano atravessa o filtro publicitário revestido de um alarmismo “soft”, “cool”, e se torna “hype”. Estas campanhas ecológicas compõem uma flagrante impostura verde. Não seria espanto nenhum se a Diesel desenvolvesse, em alguma parte do mundo, um articulado replantio de árvores ou patrocinasse uma ONG com atuação destacada na causa ambiental. Haveria, sem dúvida, aqueles que aplaudiriam efusivamente a “antenada” estratégia de marketing da empresa e a “mudança de mentalidade” que, pasmem, atinge até os homens de terno e gravata mais renitentes. Fazer o quê? Recusar o dinheiro?
O principal mérito nas mensagens trazidas pelos “eco-publicitários” é a tradução desnuda de todo o hedonismo individualista tipicamente norte-americano, postura esta que contribuiu num processo histórico para levar o planeta à atual emergência ambiental contemporânea.
Resta ainda uma última pergunta: o que diria o filósofo Gilles Deleuze (1925-1995) ao se deparar com anúncios como estes? É dele a caracterização certeira do marketing como "a raça impudente de nossos senhores". Ou, num possível paralelo pós-moderno, o “eco-publicitário” teria se tornado uma espécie de “terrorista social” do novo século? Numa época recheada por fundamentalismos, onde se é impelido a escolher entre “nós” ou o “Outro”, “democracia” ou “intolerância”, parece mais fácil agradecer à “conscientização” dos empresários “do bem” ao invés de lutar por políticas públicas que revertam à barbárie ecológica protagonizada pelos nossos “impudentes senhores”.

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